Como a proteção da maior árvore da Amazônia pode determinar os caminhos do pós COP 30 para a biodiversidade brasileira
Por Angela Kuczach, bióloga, ativista, diretora executiva da Rede Pró UC e idealizadora do Um Dia No Parque.
Publicado no Um Só Planeta
Semanas atrás, segui os conselhos da Joelma e fui pra Belém do Pará tomar um tacacá. E se não pude exatamente “curtir e ficar de boa”, pude fazer algo fascinante: mergulhar na experiência genuína de estar em uma das capitais mais notórias do Brasil. Com seu casario antigo, as peculiaridades do Mercado Ver-o-Peso e o pôr-do-sol nas docas… estar em Belém é vivenciar uma das representações mais autênticas de um ambiente urbano-amazônico. Aliás, quem conhece o Norte do Brasil sabe o quão rico, diverso e genuinamente brasileiro ele é. Mas fique claro, estamos nesse caso falando do Norte em seu estado natural e não daquele colonizado pelo agro-pop, que insiste em tomar posse do Brasil a ferro e fogo, trocando nossa rica biodiversidade por um deserto de monoculturas, em que nem os insetos prosperam.
Uma das coisas que mais me chamou a atenção foi, pasmem, a expectativa com a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada no próximo ano na cidade. Motoristas de aplicativos, ambulantes, recepcionistas de hotéis, garçons de restaurantes, é só puxar o assunto que ele vem com tudo. Assim como a chuva que cai quase que diariamente com hora marcada e divide o dia em duas partes na cidade, parece que Belém aguarda o evento como se fosse um portal para o futuro.
E não deixa de ser. Ilustres anônimos, ambientalistas e cientistas também experimentam desde já a expectativa da “COP do Brasil”. O frisson das ruas de Belém chegou até os corredores de Brasília. Ali a COP 30 também é tida como um marco e muitas apostas de avanços na proteção ambiental se dão em função do evento. “Se não acontecer até a COP, não acontece mais”, dizem meus colegas ambientalistas – discurso que muitas vezes também me pego repetindo com toda a convicção. Aliás, os olhos do mundo inteiro parecem se voltar para a COP 30, Belém e as sementes que lá serão plantadas. Mas o que de fato deixaremos após a COP 30?
Ainda falando do Pará, tão grande quanto o desejo do atual Governador do Estado, Helder Barbalho, de fazer acontecer a COP da Floresta, está a oportunidade única de deixar um legado atemporal. E Helder sabe disso. Há quase um ano, durante o Global Citizen Festival, em Nova York, ao lado de Anitta, da Secretária de Povos Indígenas Puyr Tembé e da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o Governador anunciou a ampliação da proteção das florestas do Estado em 1 milhão de hectares. Uma meta ambiciosa, mas perfeitamente possível, se levada a sério.
De campeão de desmatamento para sede da COP da Floresta, o Pará já avançou muito! É preciso reconhecer. Mas ainda há bastante a se fazer se de fato quisermos deixar um legado que vá além das discussões em torno de parênteses ou colchetes, que muitas vezes traduzem os resultados das COPs.
Uma das oportunidades vem exatamente da calha-norte do Pará, lugar onde um ser majestoso e centenário escolheu nascer e viver: um angelim-vermelho, considerado hoje a maior árvore da América Latina e a quarta maior do mundo. Descoberto em 2022, esse angelim, com quase 90 metros de altura, vive na Floresta Estadual do Paru, uma Unidade de Conservação que permite o manejo florestal, ou seja, a retirada de madeira. As UCs dessa categoria, quando adequadamente manejadas, são muito benéficas.
O angelim-vermelho, esse gigante, com seus estimados 600 anos de idade – e que, portanto, estava aqui antes de Cabral chegar na nossa costa e batizar nossa terra de Brasil – é muito mais do que uma árvore, é um patrimônio brasileiro e da humanidade. Além dele, inúmeras espécies raras e endêmicas vivem na Flota, com sua paisagem única formada por florestas primárias, manchas de cerrado, rios, cachoeiras e lagoas, elementos suficientes para que esse lugar fosse considerado território sagrado e que somente agora começaram a ser descobertas e estudadas pela ciência.
Porém, junto com tanta riqueza e exuberância, a Flota do Paru, carrega o título da UC de Uso Sustentável mais ameaçada do país: entre 2022 e 2023 mais de 500 Cadastros Ambientais Rurais (CARs) estavam registrados para a área, que estava sendo grilada e desmatada. Além disso, o garimpo ilegal assola a região continuamente, inclusive no exato ponto onde está localizado o angelim. Em função de todo esse contexto, ambientalistas e cientistas vêm, desde 2022, chamando a atenção sobre a oportunidade ímpar de proteger melhor a Flota do Paru e manter as árvores gigantes, essas entidades da floresta, em pé.
Proteger o angelim-vermelho e toda a área que o abriga, pode ser um dos grandes legados de Helder Barbalho. Na prática, significa elevar o status de proteção da área, recategorizando a UC, aumentar a fiscalização e combater efetivamente as ilegalidades. Significa também lançar luz sobre esse patrimônio que nada deve a outros monumentos do planeta e que pertence ao povo do Pará, gerando orgulho, pertencimento e sendo transformado num símbolo da nossa era, que pode ajudar os brasileiros a aumentarem a percepção sobre nossa gigantesca riqueza natural.
Uma das primeiras medidas tomadas pelo governador, quando da descoberta do angelim-vermelho, foi exatamente cancelar os CARs que existiam ilegalmente dentro da Flota e informações de bastidores demonstram que, nesse momento, há um olhar por parte do governo do Pará no sentido de consolidar e oferecer maior proteção à área do angelim-vermelho. Uma atitude sem dúvida visionária!
Ao escolher se tornar de fato e de direito o guardião do angelim-vermelho, o governo de Helder Barbalho dará um recado claro de que seu legado vai muito além da COP 30. Será também um passo importante no alcance da meta já anunciada de ampliação de 1 milhão de hectares de floresta protegida e, principalmente: será o posicionamento contundente de uma aliança do Brasil de hoje com um futuro mais verde, biodiverso e sustentável.